Só sabemos nos acalmar com alguma explicação
É por isso que adoramos a conversa fiada da filosofia, da ciência e da religião. A palavra da moda nesses tempos de confinamento é a serenidade, ou seja, a capacidade de saber lidar com o não saber. Na verdade, não temos apenas medo de perder nossos entes queridos, empregos e riquezas. Temos muitas vezes pânico, justamente porque todas as nossas conquistas, estão de algum modo, associadas com a crença de uma possibilidade de que, através delas, nos livraremos de sofrer. E não é só isso. Não buscamos ter só para usufruir. Buscamos ter para não morrer em vida. Ocorre que nada do que obtivermos estanca o ponteiro do relógio do tempo, que não tem volta. E assim, passamos a vida toda tentando vencer o invencível. Continuamos a acumular. E só agora, com o surgimento do coronavírus, nos damos conta, do quanto somos uma sociedade mais interessada em aparecer que em viver. E como estamos demorando em romper com o sistema e sucumbir à esta verdade, vamos postergando a nossa felicidade para nunca.
Nosso maior fantasma: a finitude
Neste contexto, em meio à uma pandemia mundial vamos ampliando nosso repertório de medos, dores, manias, angústias e ansiedades, como uma forma de fazer frente ao que nos é inevitável, que é enfrentar esse coronavírus, que nos jogou para o isolamento social a que estamos submetidos, sem que aprendêssemos a lidar com nosso maior fantasma: a finitude.
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A sensação de atravessar fases assim é meio que a mesma de vivenciar o morrer, mesmo sem termos realmente chegado ao fim do mundo. Tanto é que estamos há 30 dias aqui no Brasil e há mais de 90 dias sendo bombardeados diariamente de pequenas tensões, porque cada uma aparece para amortecer uma tensão, que é muito maior que todas elas juntas, que é essa pandemia mundial. Com isso, não conseguimos desgrudar do noticiário e nem do fato de que nem quem tem dinheiro acumulado, está blindado. Isso porque nesses tempos de Covid-19, doença que agora não há cura, muitos ricos estão vendo seu dinheiro derreter nesse sobe e desce nas bolsas de valores do mundo todo. E nesse clima volátil da Bolsa, somado às notícias de um tanto de mortes, quase que diariamente mundo afora, estamos vivendo um clima de incerteza e da certeza de que todos nós seremos desamados em algum momento da vida. Isso acontece porque não sabemos amar, porque muitas vezes temos medo da solidão de não sabermos de onde viemos e nem para onde iremos. Na verdade, não deveríamos entrar em pânico, afinal desde criança aprendemos que um dia todos vamos envelhecer e morrer. Nesse contexto fica fácil entender porque sofremos. Sofremos porque só sabemos amar o saber. O próprio saber não nos ensinou a amar o não-saber. Não nos ensinou também que dormiríamos melhor se deixássemos o pensar e nos entregássemos à certeza de praticar aquele exercício de entender que não precisamos desesperar quando chega o momento de enfrentar o que foge de nossos conceitos, porque entre pensar e surtar, podemos sentir e intuir.
Isso chama-se fé
Aliás, aprender a levar a vida com fé é de cada um. É como lidar com a morte. Há quem consegue passar por momentos como essa guerra contra o coronavírus, sem sofrer, encarando como uma coisa natural da vida. Deveríamos começar por onde termina. Mas muitos de nós talvez precise de ajuda psicológica, porque a maioria de nós, só sabe ficar calmos quando pensa que está no comando de tudo o tempo todo. Quando está no meio de uma guerra, que como no caso da pandemia, além de te jogar para o isolamento social, derrete dinheiro como gelo, se não tiver fé, sobrará apenas a falta esperança e desânimo.
Claro que tudo isso desestabiliza a humanidade. Mas em meio ao mar de incertezas, talvez o confinamento social nos faça entender que só seremos felizes, de fato, quando compreendermos que o amor e morte são dois lados de uma mesma moeda. E que todos nós precisamos aprender urgente a levar a vida de forma mais lúdica. É complicado fixar-se uma única via. Todo ponto tem um contraponto. Viver é estar em permanente desacordo. Erramos ao acreditarmos em uma felicidade purificada de toda dor. A vida é muito mais imprevisível que a nossa previsão de rendimentos. Não podemos dissociar nossa felicidade das perturbações da vida. E precisamos aprender isso tudo, principalmente a buscar por nossos sonhos, com os pés grudados na realidade. Na verdade, quando éramos crianças sabíamos fazer isso. Na primeira infância, desconhecemos o outro. Escolhemos pelo nosso corpo. Escolhemos tomados pelo nosso corpo. O bebê não toca, não olha e não come com a sua mente. Ele toca, olha e come só com seu corpo. O bebê é pleno. Esquecemos nossos corpos ao adentrarmos no mundo da cultura. Quem dera se pudéssemos ser para sempre crianças, que não estão nem um pouco preocupadas com o jogo do poder.
Porém, a questão não é ser ou não ser feliz. Por mais que se diga que conquistou a tal felicidade, sempre faltará algo. O problema do medo é a imprevisibilidade. Não sabemos o que poderá acontecer daqui a cinco minutos. A questão é que temos uma tendência a achar que não vai acontecer algo bom. É certo que a cada minuto que passa estamos caminhando para o dia em que não teremos mais minuto nenhum. A questão é que com a pandemia estamos cada vez mais de frente com esta certeza. Na verdade, carregamos esse buraco que é intamponável. No entanto, é preciso lembrar que viver é fazer com a vida como as costureiras quando cerzem o rasgo de uma roupa que, mesmo com isso, ainda pode ser usada.