Abri os olhos bem devagar e para meu conforto descobri, sonhei
Um sonho estranho, repleto de enigmas sem finalização, tudo muito figurado, muito intenso. O lugar sem harmonia, sem alma, sem luz. Ter sem ser, ser sem ter...
Pairava no ar um silêncio pesado distorcido, distorcido de dor. Foi então que vi o artista tentando em vão completar sua obra inacabada. Sua última obra? Curioso foi perceber outras, várias outras ao seu redor, também incompletas.
Algumas com lindas formas mas em pedaços, soltos no ar. Pressenti uma grande e penetrante solidão, gerada pela incapacidade do artesão de se apossar da própria criação! Ouço algo...um gemido, longo gemido. Era o seu caos, sua única forma de comunicação.
Vejo-me a perguntar: "Qual a finalidade de expor, de guardar tão grande e antigo acervo de coisas incompletas e disformes? Em resposta um vazio, um imenso vazio...
Continuei caminhando neste lugar enevoado, sem início, sem fim. E me deparo com grande prateleira repleta de troféus que tantos, não deixava lugar enevoado, sem inicio, sem fim e me deparo com grande prateleira repleta de troféus que de tantos não deixava lugar ou espaço para o artista se orgulhar pois, em todos estes, também faltava um pedaço. Pedaços, pedaços de arte, pedaços de vida tudo solto no ar! Continuo perguntando já cansada, procurando avidamente uma resposta: "Qual a necessidade enfim, de guardar tantas coisas inacabadas?
Desta vez a minha mente responde: "Talvez o desejo inconsciente de um dia, juntando todas, conseguir criar uma obra prima! A vaidade, a onipotência do artista, seria tão grande? Desperdício de arte, desperdício de vida girando no ar, sem pouso, sem descanso, frágil como a argamassa que usa e de tão frágil, ele não vê que o tempo passa e corroe, corroe, corroe...
Mais gemidos, agora mais perto, vejo o artista debruçado sobre si mesmo em intensa agonia, tendo nos olhos quase apagados um tênue brilho (de esperança?) trazidos por uma lágrima, uma única lágrima. Penso na possibilidade milagrosa de um gesto, de entrega, um pequeno gesto que pudesse romper as cadeias que ele mesmo criou...
Penso novamente na possibilidade de um pedido de socorro no olhar, para que eu pudesse achar a dor para amenizar a 'loucura'....Penso na possibilidade talvez a última de que ele me enxergasse enfim e permitisse que eu fosse ao seu encontro, me fundir, me doar, achar a dor e tentar amenizar "nossa loucura."
Procuro alma em seu olhar mas a lágrima, a única lágrima que eu queria enxugar, cristalizou no ar...O artista, o artesão, nem sequer me percebe no quadro de seu sonho ou de meu sonho? Acordo enfim e o deixo lá sozinho pois, agora sim, o sonho não é mais meu!
Acordo enfim com um grande alívio, desejando que ele possa completar sua sua obra, sua última obra, antes que o tempo corroa a frágil argamassa que restou. Afinal, o que é o artista sem sua criação?
Ainda bem que foi apenas um sonho, mas um sonho cheio de enigmas e profundos significados...