Por Cris Pimentel
Depois de quase dois meses isolada me apego à alguma alegria. Não a clássica, que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim me sustente sempre. Mas a outra, bem concreta: a oferta infinita de lives, o fenômeno que tomou a Internet de assalto desde que a pandemia de Covid-19 chegou ao nosso país. Com a orientação geral para o máximo de isolamento social, cantoras e cantores dos mais variados gêneros passaram a fazer apresentações para um público ávido e que parece caçar mais motivos para ficar em casa. Nem adianta contar, porque são milhares pelo mundo. E esse tipo de comunicação se tornou tão marcante que até Roberto Carlos, o Rei, fez a sua própria live de casa, com transmissão pela TV Globo, algo inimaginável, em se tratando dele. E nessa onda de lives de artistas, que não vai ter fim até que a pandemia de coronavírus seja controlada, com transmissões ao vivo de vídeos pelas redes sociais, eu mergulho fundo, me divirto bastante, a ponto de conseguir amenizar o sentimento de estar sozinho, sem contato com meus amigos e familiares há mais de 50 dias. Dou meus gritos abafado de alegria, e às vezes, escancarados, depende da empolgação e da comunicação que o artista estabelece com o público, comigo....
São lives para todos os gostos, gêneros, religiões
São lives para todos os gostos, gêneros, religiões e teores alcoólicos que atraem não apenas a atenção do público como também o de empresas que patrocinam esta festança. O que me chama sempre a atenção é a lucratividade de indústrias do álcool e do tabaco, cujas cifras são altíssimas. Elas geralmente destinam uma verba milionária para as propagandas que atingem em cheio os jovens, principalmente por meio da promoção de esportes e programas voltados para esse público. As próprias celebridades, que protagonizam as campanhas publicitárias das marcas de cervejas, exercem forte influência entre jovens e adolescentes. E se formos pensar que a legislação, de 2015, permiti a propaganda comercial por meio de pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda, mas, não permite que se induza as pessoas ao consumo. Creio que esse tipo de veiculação das marcas de cervejas nas lives, em tempos de isolamento social, pode realmente causar danos com a promoção da ingesta abusiva de álcool. A exposição precoce a estas propagandas, no meu ponto de vista, reflete na formação de valores a nas intenções de consumo e compras. Infelizmente, a legislação no Brasil ainda não impede a publicidade de álcool direcionada a crianças e adolescentes.
Sendo assim, é sempre bom lembrar que independente da idade, buscar refúgio na bebida nessa quarentena está longe de ser uma solução para aliviar o sintoma de tristeza, provocada pelo confinamento. Afinal, álcool e drogas não combinam com vida saudável, embora possam produzir um relaxamento inicial naquele que consome, provoca também uma série de prejuízos à saúde física e mental. E não se pode atribuir um nível seguro de consumo quanto ao uso de substâncias. Mas apesar desse aspecto negativo exercido pela avalanche de publicidade de álcool, há de se reconhecer o valor deste peculiar universo das lives.
Segundo definem executivos de empresas patrocinadoras e especialistas em mídia e marketing, é um “caminho sem volta”, uma vez que a tendência, depois da pandemia, é de continuidade, a depender do público, esse formato de anúncio em transmissões ao vivo é muito bem visto pela audiência. Pelo menos foi o que apontou uma pesquisa exclusiva da MindMiners, empresa de tecnologia especializada em pesquisa digital, feita a pedido do CNN Brasil Business. De acordo com o levantamento, 76% dos participantes querem a continuidade das lives, mesmo após o fim da pandemia. E não é só isso: quase 85% disseram admirar companhias apoiadoras. E, ainda de acordo com a pesquisa, cujo o levantamento foi realizado com 500 pessoas, de todas as regiões do país e classes sociais distintas, entre os dias 13 e 14 de abril, apontou que mais de 67% declararam que este tipo de publicidade aumenta a sensação de proximidade com as marcas.
Desta forma, vale destacar que as ações devem sempre estar conectadas aos objetivos de construção de marca, com a mensagem e propósito levados ao público, para gerar empatia, e assim, conseguir construir relevância entre o público. É o que os especialistas chamam de “entretenimento com propósito”, ou seja, cada vez mais, os patrocinadores buscarão, mesmo com o fim da pandemia, eventos que também se propuserem a arrecadar fundos e doações para instituições de saúde e projetos sociais. Neste caso, a live se firmará cada vez mais, como uma saída de um novo formato, de apoio X contrapartida, que não seja baseado no antigo modelo de um anúncio no intervalo de um programa, por exemplo, somado à aderência com o artista em questão. Neste contexto, ouso dizer que só uma live é capaz de reunir 3 milhões de pessoas ao mesmo tempo. Fisicamente, um evento desse porte, seria praticamente impossível. para mim, este é o principal ponto positivo e consensual. E ainda que a monetização dessa modalidade esteja dando seus primeiros passos, a maioria dos colegas produtores culturais que conversei sobre o assunto, concordaram que é um formato que tende a se profissionalizar. Mas há de se ressaltar que empresas patrocinadoras estão conscientes dos riscos que correm, por ser um evento ao vivo, mas segundo apontam as pesquisas de mercado, elas não deixariam e nem deixarão de anunciar por esse motivo, porque apesar da live ter um formato com menos controle sobre o que vai acontecer, por outro lado, conquista o público logo de cara, exatamente porque vai na linha " da vida como ela é", promovendo uma naturalidade de relação e da comunicação, nunca vista antes, pelos consumidores.
Uma corrente do bem tomou conta do país
Se com a Covid-19, as lives têm se tornado um caminho alternativo de vendas e conseguido dar um certo contorno à crise que a pandemia tem causado a inúmeros setores da economia, o que se sobressai, no meio de todo o cenário das lives, sem dúvida, é a solidariedade. Cidadãos fazem o bem, à distância ou de porta em porta. Cada a um a seu modo, do jeito que pode, consegue ajudar quem mais precisa. Até os bancos doaram bilhões de reais, além de indústrias, empresas e comércio, marcaram gol de placa junto à marca, dando uma demonstração de como as coisas podem funcionar quando a cooperação e a empatia prevalecem.
Um outro ponto positivo que o isolamento nos fez entender é a real percepção de que alguns bens materiais não são tão necessários e que podemos viver bem com muito menos, logo espera-se que daqui para frente tenhamos um consumo realmente consciente. A percepção de que boa parte do trabalho e das reuniões pode ser resolvida online, reduzindo poluição e deslocamentos desnecessários, também é a mais pura verdade. E nesse contexto, a natureza agradece!
Mas embora estejamos imersos em um cenário caótico de pandemia, em meio a milhares de mortes e de possibilidades de um colapso econômico de grandeza mundial, existem questões que me permitem um olhar menos pessimista acerca do que vivenciamos/vivenciaremos durante esse confinamento. Eu me refiro ao fato de que anticientificismo finalmente caiu por terra, exatamente porque a sociedade brasileira, já entendeu claramente a necessidade de recorrer aos cientistas e às universidades para se informar e se munir de meios para prevenção e tratamento para a Covid-19. Com isso, as Fake news, coaching, youtubers ou especialistas de whatsapp tornarem-se irrelevantes frente aos conhecimentos científicos. E isso é uma boa notícia!
E eu em meu isolamento social, ao conversar com as pessoas pela internet, sempre escuto relatos sobre como elas têm refletido sobre a importância de uma coletividade e do saber viver em coletivo de forma ética e sem egoísmos. Um bom exemplo desse comportamento, foi a maneira como algumas pessoas agiram assim que a pandemia virou uma realidade aqui no Brasil, no consumo de álcool gel e máscaras. Mesmo fazendo um uso mais frequente das ‘lives’, redes sociais e aplicativos nessa quarentena, as pessoas em confinamento estão repensando o sentido de sociedade. E devemos comemorar, sim! Afinal depois da Segunda Guerra Mundial, essa é a primeira vez que enfrentamos de fato uma guerra. E para vencer a COVID-19 devemos promover e praticar os círculos de solidariedade que têm início na família, no bairro, nas cidades e no País e que podem estender-se a todo o planeta. Então concluo esse texto, dizendo que eu acredito que poderemos pensar em outro mundo possível e não no fim do mundo. E isso só será utopia, se quisermos. Depende de cada um de nós.
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